Translate

O Xaile e o Lugar

O xaile é a última peça do curso da Arte de Tecer a Vida.
Aquela que em si contém momentos da nossa vida. É um projecto a longo prazo que tenho em mãos à vários meses. Teço ao ritmo do caracol, com fases de vício frenético e fases de interregno e contemplação (que é como quem diz: fases em que outras coisas me ocupam todo o tempo disponível e que me deixam zero tempo para estes "lazeres"!).

Neste momento, estou a tecer uma fase que representa a terceira mudança da minha vida, o início da minha pré-adolescência. E mais uma vez, uma nova casa, nova escola, nova paisagem, novo lugar.
Neste lugar eu viria a criar raízes, e memórias e um "sentimento de casa" que ainda hoje me acompanha. Embora esse lugar, tenha deixado de existir na minha vida cerca de 10 anos depois, com mais uma mudança de casa pela família.

Esta semana, uma reunião na zona levou-me a ter de passar a poucos quilómetros desse lugar... Não resisti a ir lá.
Este lugar fica num vale com meia dúzia de casas. Na altura em que vivíamos lá, nenhuma estava habitada excepto a nossa. Algumas casas de férias e umas quantas ruínas. Hoje em dia, várias estão recuperadas, têm muros e gradeamentos, outras agora cobertas de silvas e com um ar muito abandonado... 
Não vi ninguém, não ouvi um cão, um gato, uma cabra... Não sei se vive alguém. Aproximei-me da minha antiga casa como consegui, respeitando limites de privacidade. Gostei de a ver praticamente igual... alguns estragos do tempo, mas sem muitos estragos de "modernidade"... Notei que a floresta cresceu e tomou conta de terrenos que eram antes olivais e socalcos agrícolas onde brincávamos. Gostei de ver a oliveira que tantas vezes subi, e a ameixieira que era tão jovem, agora uma árvore imponente.




(a bateria da máquina acabou e não há mais registos fotográficos)

Eu vivo numa zona que ardeu 100% em 2017, habituei os olhos à tristeza da montanha despida e pontuada de manchas pretas de árvores mortas e secas que ameaçam cair com o sopro do vento... A floresta ali não ardeu, todo aquele verde das árvores altas e maduras, a sombra fresca na estrada,  são bálsamo para a alma... Mas ao mesmo tempo, a ameaça de um incêndio iminente mete respeito, faz questionar...
 Nos primeiro anos da nossa vida neste sítio, houve um grande incêndio na zona que da mesma fora despiu as montanhas. E o rebanho de cabras que mantínhamos não deixava que o mato se tornasse alto e que os pinheiros novos crescessem. Em cerca de 20 anos, sem incêndios, a floresta de pinheiro, eucalipto, mimosa, silvados, ameaça... Há também medronheiros enormes, sobreiros, cerejeiras bravas... Que bom que era, se o mato gigante, as silvas, os pinheiros e os eucaliptos não os sufocassem...
 Continuei caminho até às aldeias mais acima. A estrada que era de terra foi alcatroada. Não se vê gente... 
Estrada fora, as montanhas são de xisto. Lá no alto estão cobertas de urze em flor...  E eu retenho tudo, os sons da água, os cheiros, as cores e revivo as memórias, as corridas de bicicleta naquela estrada, o rebanho a atravessar o ribeiro e a subir o monte... os colegas da escola, as viagens no autocarro escolar... E assim... transporto tudo isto para o meu pedaço de xaile.

Comentários

Mensagens populares