Abre a cortina e prepara-te para a guerra ou arruma a tua casa
Que tempos estes... Que nos obrigam a empunhar a espada, erguer o escudo, contra um inimigo invisível! E não, não estou a falar do vírus, estou a falar da própria doença social.
Não gosto de escrever sobre temas polémicos, mas hoje apetece-me fazê-lo, neste espaço, para que eu própria exorcize os meus diabos internos. Na verdade nem sei se tenho palavras, pois nem sempre temos palavras para tudo o que vai cá dentro, seja bom ou mau...
Esquizofrenia. É a palavra que ecoa no meu interior quando baixo o escudo e abro a cortina para me deixar embrenhar na vida mundana (que é como quem diz "social digital"). Por muito bom que seja o escudo de cada um, não há escudo intransponível quando a seta atinge em cheio o centro das emoções, o centro que nos liga directamente à nossa história das relações humanas.
Esquizofrenia, por sermos um povo de opiniões, guerreiros digitais, de zero consensos, zero estrutura e pouca acção. E especialmente por termos sempre um dedo apontado ao vizinho.
Abrir tudo, fechar tudo, põe máscara, tira máscara, fecha escola, abre escola, fecha café e cabeleireiro, abre igreja, precisamos de abraços, queremos distância... se abre tudo eu morro com o vírus, se fecha tudo eu vou à falência e morro de fome... A culpa é deste e daquele, mas quando sou eu, a culpa é de quem...?
Seria bom, pelo menos, não
perdermos muito tempo a criticar o vizinho, a indagar se cumprirá ou não
a sua etiqueta higiénica ou o seu distanciamento social... porque com
ou sem, pelos vistos, toca a todos, cuidadosos ou não. E a culpa?... Onde está a verdade? E mais importante, o equilíbrio, no meio deste caos? Talvez porque sou virginiana, gosto da casa arrumada, de pacificar... tendo a tentar arrumar a tralhada dos outros e a assumir as responsabilidades do mundo... e por isso, tudo isto me faz confusão... mexe comigo, se deixo, mexe muito internamente, até porque... não sei como arrumar.
E depois...
...Ver que ainda é preciso levantar a voz por manifestos que neste século desejaríamos serem já conquistas adquiridas, senso-comum. E ver que muitas vezes a indignação não salta das redes sociais, das hashtags, para o dia a dia de cada um. Ver que no dia a dia se critica e insulta o vizinho, a vizinha o irmão, a irmã, a mãe, a filha, as mulheres que julgam a outra pela roupa que usa, pelo excesso de maquilhagem, ou a falta dela, pelos quilos a mais, ou a menos, porque é linda porque é feia... Tudo isto me deixa triste. Não. Aquele homem não pode fazê-lo, claro. Não pode criticar a mulher, nem insultar os adversários, não pode dizer que todos temos "um avô bêbedo desses lá por casa" em total desrespeito por todos os nossos avós!! Não, ele não pode, ninguém pode!
Oxalá que pintar a boca de vermelho não seja só uma moda, um mero chavão publicitário. Que seja importante, que tenha significado. Que se leve dentro de si a mesma indignação, o manifesto, e que o recordemos antes de abrir a boca ou digitar um insulto ou um julgamento. Que se vá, efectivamente, votar e escolher em consciência, com análise. Ora, quem não votar... só tenho de respeitar, ainda que não concorde. Mas que o façam em plena consciência também, e não só porque sim.
Já o Virgul e o Carlão - Packman nos DaWeasel cantavam: "toda a gente critica, toda a gente tem muita pica, mas é na mesa do café que toda a acção fica"... hoje em dia é no café digital...
E que estou eu a fazer? A criticar quem critica. A vomitar indignação, a tirar a pressão da panela...
Deixo sair...
Fecha a cortina.
Desliga.
Sai.
Cá fora. Sentada na frente da casa, o sol quente de inverno queima a roupa contra a pele. Uau! Depois de tantos dias de frio intenso, este calor é precioso bálsamo.
Deixo-me encantar e levar pela sinfonia de passarada diversa que brinca entre a ramagem dos dois pinheiros mansos (os único que sobreviveram ao fogo). De lá de dentro, chega-me o som de um dedilhar de guitarra e uma voz doce e melancólica de uma playlist de indie-folk que deixei a tocar no youtube. Um insecto zumbe à minha volta, meio zonzo e inebriado, talvez desperto pelo calor imprevisto após longos dias de gelo. Passou uma pequena abelha! Ainda estamos só em meados de janeiro, mas num dia como este, a natureza desperta e eleva os braços a espreguiçar-se em direcção ao sol.
Envolta e abraçada por este espectáculo mágico, quase esqueço o caos interno (ou externo?) que me fez pegar neste caderno para simplesmente, deitar cá para fora coisas, dar voz ao sentimento ou encontrar-lhe sentido. Dar sentido às coisas externas, mas que ecoam e moem cá dentro...
Existem mundos dentro de mundos. O universo não é universo sem as suas partes e Todas as Partes compõem o Todo. E por mais que eu goste de estar só no "meu" pequeno mundo, eu sei que não há acção que eu tenha que não afecte um outro ser. E que dentro deste grande ecossistema, todos têm o seu propósito e, Todas as realidades dentro da Realidade, são importantes.
E o que acontece do lado de lá da minha cortina também me afeta. Lá por me isolar não quer dizer que não me importe. Por vezes custa-me enfrentar e ter de lidar com a sociedade em geral, mas essa sociedade faz parte da realidade em que vivo, a sociedade somos todos nós, é a nossa coluna. E cada acção e contracção neste corpo do mundo reflecte-se em cada músculo, e no avançar ou não avançar.
Na natureza haverá sempre a luta pela sobrevivência. E o que faz um ecossistema funcionar é a sua biodiversidade, a entre-ajuda das espécies, mesmo que isso signifique em momentos, luta entre espécies. Pois o objectivo último é a sobrevivência e equilíbrio do sistema.
No sistema social, a diversidade dita que existirão sempre problemas, mas também que haverá sempre mais riqueza de ideias e soluções.
Haverá sempre um lado negro, e um lado de luz. Não fosse o Universo dual: Feito de Luz e Sombra. Terra e Céu. Vida e morte. Dia e noite... Então, haverá sempre discórdia entre os Homens e ela faz parte da nossa evolução. O segredo está na harmonia do acordo, não interessa quem ganha ou perde. Interessa que o povo se interesse e não ande adormecido.
E com esta reflexão... estou por fim mais calma e menos revolta. Arrumei a minha casa.
abraço
joana
Comentários
Enviar um comentário
Olá! Que bom que decidiste escrever-me! Obrigada e até já! Com carinho, Joana
Hi! I am so happy that you decided to say hi! Thank you! With Love, Joana